Viver é arriscado. Nos coloca diante do desconhecido e da insegurança sobre as nossas escolhas. Inevitavelmente encontramos a dor. A dor do viver não é qualquer dor, como a dor de dente ou a terrível dor dos cálculos renais. A dor do viver é mais como a dor do parto, com momentos de paz e serenidade, entre uma contração e outra, seguidos por agudos sofrimento que atingem em cheio a alma. Diferente do trabalho de parto não sabemos quando chegará o próximo tapa. Só sabemos que nada está nunca certo e definitivo. E muito menos sabemos de cara o porquê das coisas que nos acontecem. Eis a condição humana.
Diferente ainda das dores do corpo, aquela do viver não tem receita para ser solucionada. Ao contrário, “a cura para a dor está na dor”, escreve Rumi. É entrando na dor, é permitindo que ela nos leve até o sentido de sua existência que se abre para nós uma luz, uma descoberta que permite nosso progredir e assim nos curamos. A cura está representada pelo nascimento, que são muitos numa única vida: todas as vezes em que nos permitimos mudar, rever modelos mentais, questionar as nossas crenças, assumir mais uma vez o risco do viver: e do errar, e do não saber, e o do perder. O medo de descobrirmos de não sermos capazes, o risco de nos depararmos com a nossa ineptidão, falta de resposta e de atitude. Quem somos nós, afinal? Nos conhecemos?
Escreveu a escritora austríaca do século XIX, Marie von Ebner-Eschenbach, que “A dor é o grande mestre dos homens. Sob seu sopro as almas se desenvolvem.” O sussurro da alma nem sempre é claro e mesmo quando grita a direção a seguir, ainda assim há o mundo a enfrentar. A dor do viver é então o processo de maturação da alma, o lento crescer da luz da consciência, da percepção fina, da visão aguçada, do entendimento purificado de crenças já inúteis e preconceitos já limitantes. Disse Einstein que é mais fácil destruir um átomo do que um preconceito. O processo de transformação de preconceitos dói, pois mentalidades antigas e hábitos resistem à morte mesmo quando, obsoletos, impendem o progredir da vida, bloqueiam o desenvolvimento individual e coletivo. Para que a transição ocorra, é preciso da dor.
Somente grandes almas sabem abarcar a dor do viver. Num coração pequeno a dor não cabe, pois a dor produz almas fortes, “o caráter mais sólido está coberto por cicatrizes.” (Khalil Gibran) Saber viver a dor sem afogar nela é das almas grandes que dela renascem mais fortes.
Lamentar e se arrastar no sofrimento não é encarar a dor do viver, mas ao contrário é uma forma de fugir da verdadeira dor, é resistência à vida e a seus riscos. Ser requer destemor e, portanto, requer o desenvolvimento da coragem que aceita a empreitada mesmo diante do incerto e do desconhecido.
Segurando a tocha acesa da luz da consciência, como contado num sonho de Jung empreendemos a jornada e então a única forma de encarar a dor do viver é, como canta Chico Buarque em “Bom conselho”, “ir para rua e beber a tempestade”, pois “é inútil dormir que a dor não passa.”
Adriana Tanese Nogueira - Psicanalista, filósofa, life coach, terapeuta transpessoal, intérprete de sonhos, terapeuta Florais de Bach, autora, educadora perinatal, fundadora da ONG Amigas do Parto (www.asmigasdoparto.org), do AELLA - Instituto Internacional Ser&Saber Consciente (www.institutossc.com) e do ConsciousnessBoca.com em Boca Raton, FL-USA. +1-561-3055321
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