Nascer é perigoso.
A gente não sabe onde vai parar, em qual família, país, cultura e crenças vamos aterrissar. Mesmo achando que sabe, como sustentam algumas crenças espirituais e religiosas, o possível acordo feito em algum lugar fora do tempo e do espaço físico pode não estar de pé mais porque nesse ínterim os nossos pais já fizeram muitas experiências e escolhas que nem sempre foram as melhores ou as esperdas. Então nascer é sempre um risco. A gente não sabe.
Não sabemos o que vai acontecer conosco. Estamos à mercê de dois adultos que, geralmente, esqueceram de como é ser bebê, criança, meninos e adolescentes. Dois adultos que estão, geralmente, inconsciente dos traumas e dos vícios de pensamento e comportamento que os moldam. Dois adultos que estarão certamente influenciados a tal ponto pela cultura e necessidades da vida que nos darão, geralmente, pouco tempo e pouca atenção.
Nós mesmos não nos conhecemos, começando com aquele choro de bebê que não sabe da fome mas que é pura fome. Não sabemos o que acontece em nosso corpo e porque sentimos aquelas cólicas infernais que vêm e vão. Estamos completamente na dependência da inteligência, sensibilidade, bom-senso e bondade de quem cuida de nós.
Iremos aprender os hábitos dessas pessoas, aprender sua forma de pensamento e sobretudo iremos aprender sobre nós, sobre o que supostamente somos a partir do olhar deles, de como eles nos veem ou deixam de nos ver. Iremos aprender a julga as nossas emoções, sentimentos e necessidades pelos olhos de adultos frequentemente apressados e nervosos, que se esqueceram do que é ser criança quiçá de sua própria autenticidade.
No ritmo frenético da vida desses adultos iremos nos encontrar, em meio às emoções não faladas, as tensões não processadas e superadas deles, iremos respirar o ar de cada dia, mamar o leite do peito, comer a comida feita e dormir mergulhados nessas energias.
E, assim, lotados de emoções que não compreendemos, e que muitas vezes não são sequer nossas, com o corpo agitado pela tensão que não liberada, pois inclusive o mundo moderno é anticorpo e anticriança, iremos um dia nos debater com a dificuldade de aprender a ler e aquela de ficar sentados por horas numa cadeira quando o corpo jovem só deseja movimento em liberdade.
Iremos ser julgados por isso e medicados e mais uma vez calados. Não existiremos em nossa própria realidade espontânea, autêntica, pessoal e íntima.
Nascer é perigoso. Dependendo da família na qual você nascer, das crenças dessa família e de seus hábitos, você pode começar a vida saudável, cheio de boas intenções e projetos para essa nova existência, e se encontrar anos depois triste, desesperançado e só. Nascer é como jogar na loto, você pode ganhar ou perder e aí está o teu valor em fazer das tripas o coração pegando o que tem e transformando em adubo fertilizador.
O que podemos é esperar que de fato existam anjos de guarda que protejam as crianças da ignorância, pressa, traumas e negação à sua volta e, sobretudo, que iluminem as cabeças de quem delas cuidam para que estes possam enxergar o ser criança, saindo de seu mundo adulto perturbado, e reencontrando aquela criança interior perdida que lhes permitirá compreender as crianças que têm.
Adriana Tanese Nogueira - Psicanalista, filósofa, life coach, terapeuta transpessoal, interprete de sonhos, terapeuta Florais de Bach, autora, educadora perinatal, fundadora da ONG Amigas do Parto, do Instituto de ensino à distância Ser e Saber Consciente e do ConsciousnessBoca.com em Boca Raton, FL-USA. +1-561-3055321
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